VALDIR ROCHA & FLORIANO MARTINS | Tabula rasa ©
2018 ARC Edições
Capa © Floriano Martins, sobre foto de
Lidia Lobello
Posfácios © Valdir Rocha, Floriano
Martins
Revisão | R. Leontino Filho
Vinhetas & Projeto gráfico |
Floriano Martins
Finalização
de arquivos | Nelson Itiro Mitsuhashi
Impressão & Acabamento | Meta Brasil
R$ 30,00 (trinta reais, frete incluso)
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EU, FLORINS E O ACASO | As obras em colaboração correm
o sério risco de serem soma que configure subtração. Quando dão certo, alegram
os partícipes que devem ser criaturas abertas a todo tipo de surpresa.
Tenho
fotografado muito aquilo que desinteressa para a generalidade das pessoas sãs.
Fotografia é escrita feita com a luz, mas acrescento que também com o corte
visual. Gosto de detalhes do alto, do baixo e dos lados. Neles busco e tantas
vezes tenho a ilusão de encontrar algo de novo. Interessam-me visuais
abandonados, apagados, arruinados, avariados, corroídos, cortados, craquelados,
descascados, descolados, desgastados, desproporcionados, destruídos,
dissecados, embolorados, enferrujados, enodoados, errados, esfarrapados,
espatifados, estilhaçados, estragados, furados, infiltrados, manchados,
mofados, oxidados, queimados, rasgados, regurgitados, remendados, rompidos,
rotos, sujos, tingidos, trincados, úmidos e viscosos. Ufa! Mas não tenho gosto
pelo desgosto.
Entendo
que considerados o pedaço, a cor e a luz é possível se deparar com o
expressivo. É isso que me alegra poder fotografar. Sei que parar, abaixar-me ou
esticar-me no meio de uma rua ou calçada para fotografar as insignificâncias
pode parecer apresentação de insanidade para as pessoas eventualmente
circunstantes. Mas o que fazer? Esses gestos me são compulsivos.
O que
quero é encontrar – a partir de minhas escolhas – alvos, animais, anjos,
cabeças, camuflagens, cicatrizes, conexões, contradições, demônios, deslizes,
disfarces, engodos, enigmas, erros, escaramuças, fábulas, farsas, feitiços,
fraudes, fugas, furtos, harmonias, ideias, ilusões, intrusões, inversões,
mapas, memórias, mentiras, metamorfoses, milagres, miragens, pântanos, pecados,
pérolas, profecias, rostos, segredos, silhuetas, surpresas, vultos etc., de
preferência somados. Quero a ficção das imagens.
Florins,
como já se notou, é Floriano Martins, o meu caro amigo e parceiro. Eu e ele,
com a indispensável participação do acaso, procuramos somar para, a partir das
imagens verbais e fotográficas, chegar a terceiras coisas. O que teria surgido
antes: as fotos ou os poemas? Isso não importa. O que importa é a busca, porque
“as tábuas não negam a cumplicidade da ferrugem”.
Eu e ele
mentimos. Alegramo-nos em fazê-lo.
Valdir Rocha
A
TÁBUA RASPADA DO INFINITO | Quanto mais nos dedicamos a olhar fixamente o vazio, mais ali
nos encontramos com a intrínseca natureza da criação. É na tábua raspada de
nossa existência que vamos identificando os vultos a partir dos quais
conformamos toda uma vida. O modo como embaralhamos os seis sentidos. Os
retalhos de vislumbres que habitam o desejo e a memória. Quando criamos é que
damos sabor à borda do infinito.
A arte nos permite a consciência de todas
as experiências. O bordado da realidade, tangível ou não, a partir do momento
em que a percebemos como parte inseparável de cada um de nós. Não li as imagens
de Valdir Rocha, pois não se tratava de ilustrá-las com seu correspondente em
verso. A disposição em que as duas imagens, plástica e poética, se mostram
neste livro importa tanto quanto a autoria.
Tomando por base outro ritual seguramente
eu teria assinado as fotografias na mesma proporção em que Valdir Rocha teria
escrito os poemas. A grande afinação, sobretudo ditada pelo diapasão de nossa
existência, a encontramos nessa fiação de truques que ele chama de “a ficção
das imagens”. Tanto nos desentranhamos ao criar que jamais cairíamos em outro
ardil que não o da narrativa.
Daí que tenhamos encontrado em Astheros a
melhor configuração de nossa página em branco: o pecado da insistência que
tanto nos atrai em tudo o que fazemos. Somos dois animaizinhos fabulosos. E
vibramos com a intensidade de quem não quer passar um único instante sem
descobrir em seu íntimo as mais distintas e distantes fragrâncias do ser.
Floriano Martins
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