FLORIANO
MARTINS | Memória de Borges - Um livro de
entrevistas
Edições
Nephelibata | Santa Catarina | 2013
Organização,
tradução, prólogo e notas de Floriano Martins
Capas:
fotografias de Enrique Hernández d'Jesús
Brochura, em
papel pólen soft 80gr, 164págs. (vol I), 150págs. (vol II)
Formato:
14x20cm
Tiragem de
60 exemplares
Revisão de
Márcio Simões
R$ 70,00 (frete
simples incluso)
TRECHO PARA LEITURA
Jorge Luis
Borges (1899-1986) ao longo de sua vida concedeu inúmeras entrevistas a
jornalistas, críticos, escritores e amigos. Em Memória de Borges - um
livro de entrevistas Floriano Martins reúne 15 entrevistas com o
escritor argentino coletadas ao longo de sua trajetória e contato com o mundo
hispânico. A primeira, data de 1964, a última, de 1985, ou seja, aqui estão
reunidas a visão de Borges dos seus últimos 20 anos, quando sua fama
já era mundial. Nelas Borges fala de tudo, de política, de sua vida, do mundo
e, sobretudo, de literatura.
Volume I :
Notas de
acesso: papéis da memória - Floriano Martins
1964. Jorge
Luis Borges [Alejandra Pizarnik e Ivonne A. Bordelois]
1966.
Entrevista no tempo [Ronald Christ]
1969. O
tempo é o tema essencial de minha poesia [María Angelica Correa]
1973. Borges
igual a si mesmo [María Esther Vázquez]
1973. Eu
queria ser o homem invisível [María Esther Gilio]
1975. Uma
glória cansada de viver [Malú Sierra]
Volume II :
1975.
Conversa com Borges [Susana Chica Salas]
1976. Borges
inédito… e profético [Depoimento]
1977.
Diálogo fugaz [Roger Caillois, Jorge Luis Borges]
1977.
Conversa com Jorge Luis Borges [Alvaro Miranda]
1978. Morte,
poesia e paradoxos. Borges fala de tudo [Ignacio Ramonet e Ramon Chao]
1981.
Diálogo [Ignacio M. Zuleta]
1984. Sou
tímido, ocioso e irresponsável [Antonio Caballero]
1985.
A vida como um labirinto em linha reta [José Antonio Cedrón]
1985. Um homem
devorado pela fera [Fabian Restivo]
Índice das
fontes e agradecimentos
Dados sobre
o organizador
CÉLIA MUSILLI | Borges e os círculos da memória
O
poeta, ensaísta e tradutor Floriano Martins realizou um verdadeiro garimpo para
reunir em dois volumes uma série de entrevistas de Jorge Luis Borges que
encontravam-se dispersas em jornais e revistas latino-americanas, publicadas
entre 1964 e 1985. O trabalho resultou em Memórias de Borges – Um livro de
entrevistas que traz a essência do pensamento de Borges revelado a
interlocutores como Alejandra Pizarnik – poeta luminar – e Ivonne A.
Bordelois que abrem o primeiro volume, passando depois por María Ester Vásquez
e Maria Esther Gillio, responsáveis por duas das melhores conversas com o
escritor argentino, e muitos outros.
Entre a ideia de selecionar as entrevistas e
organizá-las até a efetiva publicação do livro, Floriano teve que esperar uma
década. Faltava uma editora que assumisse o risco de enfrentar um eventual
problema relacionado a direitos autorais, embora se saiba que as entrevistas
concedidas à imprensa não se incluem nesta obrigação jurídica, o que não
elimina totalmente os riscos de um embargo da obra.
Em 2013, Memórias de Borges finalmente
encontrou uma editora. A publicação coube à Nephelibata e resultou em dois
volumes inéditos já que as entrevistas nunca haviam sido traduzidas para o
português, com exceção da última, dada a Fabian Restivo em 1986.
Ao falar sobre Borges, Floriano também ressalta
a importância do volume Diálogos - publicado na Argentina pela Seix
Barral, em 1992 -, que reuniu a série de entrevistas radiofônicas do autor,
feitas por Osvaldo Ferrari - além das entrevistas com Borges e Ernesto Sabato,
feitas por Osvaldo Barone, em 1976, e que foram publicadas no Brasil pela
editora Globo, em 2005, sob o título Diálogos Borges/ Sabato.
Uma das qualidades da publicação da
Nephelibata - além da edição caprichada - é trazer uma seleção primorosa
que dispensa comparações. Ao fim, o que se tem é um mosaico das ideias de
Borges que revelam rigor e, ao mesmo tempo, uma incrível modéstia para falar da
sua própria criação. Seu brilho ultrapassa a fulguração dos egos que costumam figurar
na literatura para revelar atrás do escritor um homem preocupado em ir sempre
além do que já havia produzido. A impressão é que para ele tudo o que fazia
ainda parecia pouco, reflexo talvez de seu imenso conhecimento.
Na apresentação do primeiro volume, Floriano
Martins retoma a biografia de Borges a partir de sua morte em 1985, na Suíça,
país para onde o poeta mudou-se com sua família em 1914 e onde permaneceu
alguns anos. Ao fazer esta trajetória circular – morrer num país onde
viveu parte de sua juventude – Borges foi encontrar-se com uma parte de si
mesmo ou, como diz Floriano, encontrar-se com “o outro que sempre foi o mesmo –
a exemplo de alguns encontros anteriores que já tivera consigo, na emblemática
coincidência de páginas e esquinas que configura sua vida e obra.”
LEMBRANÇAS
E ESCOLHAS | O fio que conduz as entrevistas de Borges é a memória, suas
perguntas são quase sempre tocadas por sentimentos da infância, lembranças de
momentos da juventude costuradas a motivações que revelam muitas das suas
escolhas. Não à toa, como mostra María Kodama, viúva de Borges, num trecho
incorporado à apresentação das Memórias, Genebra também está presente no
poema “Os conjurados”, que dá título ao último livro do escritor argentino. Sua
obra está impregnada de um movimento circular que remete ao tempo, tema
fundamental na sua literatura. Na entrevista a María Angelica Correa, em 1969,
Borges diz: “Teoricamente, poder-se-ia imaginar um universo sem espaço. Um
universo puramente mental. Mas um universo sem tempo, sem sucessão, é
inconcebível. Mesmo que os homens tenham inventado uma palavra para aquilo que
não podem conceber: a palavra eternidade.”
Das entrevistas saltam motivações que dão
sentido a uma vida emblemática, a vida de um dos maiores escritores do século
20 que resgata vivências e raízes para justificar opções existenciais e
literárias. É curioso observar que o autor de dezenas de obras - entre poesia,
contos e ensaios - revela modéstia ao comentar dois de seus melhores livros: Ficciones e El Aleph. Ele diz: “Parece-me que não estão mal, mas é um
gênero que me interessa pouco agora.” Uma vaidade rotunda, característica de
autores bem menos importantes, desmancha-se em Borges através de frases tão
simples para tratar de seus contos fantásticos, expressão que pode ser
empregada para referenciar duplamente sua literatura, ligando-se ao estilo e à
sua grande qualidade.
Nas entrevistas, pequenas revelações também
aproximam os leitores de Borges. Sua cegueira é evocada algumas vezes, mas esta
condição talvez tenha lhe dado, na contrapartida, uma visão interna de longo
alcance, como quem enxerga universos paralelos. É desses mundos que ele parece
emergir às vezes, impressionando com sua presença, como relata Ronald Christ na
abertura de uma entrevista realizada em 1966: “Quando Borges entrou na
biblioteca, usando uma boina e uma folgada roupa de flanela cinza-escura que
lhe caía até os ombros, todos deixaram de falar por um momento, fazendo uma
pausa, talvez por simpatia, como se participassem da vacilação deste homem que
não está de todo cego.”
Há também detalhes reveladores sobre a percepção
de um homem que aos poucos vai perdendo a visão, agarrando-se às minúcias de um
mundo de cores antes de mergulhar nas sombras. O amarelo adquiriu importância
para ele por ser a última cor que viu antes de tornar-se completamente cego.
Estes detalhes deixam transparecer a vivência do poeta em situações múltiplas,
levando junto o leitor pelos labirintos de sua vida e obra.
Ao falar de como aprendeu várias línguas, Borges
traz à tona suas motivações ao empreender também um grande mergulho na
linguagem. Neto de uma avó inglesa e outra que falava castelhano, como a
maioria da família, desde os quatro anos usou os dois idiomas em conversações
domésticas, exercitando um conhecimento prático que antecede o aprendizado
formal. Ele defende assim uma aprendizagem que não parte da gramática, mas de
um envolvimento simbiótico com idiomas, a ponto de declarar na entrevista a
María Ester Vásquez: “Não sei português e li Eça de Queiroz. Quando não
entendia uma frase a lia em voz alta, e o som me revelava seu sentido.” Abre
assim a possibilidade de entender a língua, mesmo estranha, como um veículo de
“revelações”. Nada mais apropriado à sua literatura.
Um nome recorrente em várias entrevistas é o do
erudito inglês Thomas De Quincey, autor de obras transgressivas como Confissões de um comedor de ópio a quem Borges parece admirar profundamente,
evocando-o, como um de seus referenciais.
DO
SUICÍDIO AO LABIRINTO DA MORTE | As conversas com Borges quase sempre recaem em
temas dos quais se levantam voos filosóficos, como a vida e a morte. Ele esboça
ideias sem nenhum traço de censura moral quando trata de assuntos delicados
como o suicídio, ponto da primeira entrevista do segundo volume de Memórias,
feita em 1975, onde ele explica a Suzana Chica Salas como na Grécia era
possível a quem queria se matar levar a questão a um tribunal que, se julgava a
causa justa, encarregava-se de dar a cicuta ao suicida.
No meio do livro de entrevistas destaca-se um
depoimento de Borges à revista ibero-americana “Cuestionario” – nome que
desagradava Borges por sugerir interrogação – na qual suas ideias em torno de
livros e literatura são permeadas de comparações culturais entre os vários
países que conheceu e nos quais lecionou, deu conferências, palestras e teve
livros publicados. Ao comentar que a maior biblioteca da América Latina, a
Biblioteca Nacional de Buenos Aires, tem 900 mil volumes, ele a compara à
biblioteca de Lubbock – “cidade da qual a maioria dos americanos nunca ouviu
falar” – para informar que lá se encontram cerca de 2 milhões de livros,
incluindo um do escritor argentino Leopoldo Lugones do qual não havia um único
exemplar na Biblioteca Nacional de seu país. Ainda assim, considera que os americanos,
mesmo podendo estudar qualquer coisa sem sair de suas cidades, aproveitam pouco
as possibilidades, tendo em vista um sistema educacional que ele considera
absurdo e que promove desperdício de conhecimento.
No campo da literatura, suas ironias são
destinadas às teorias, é hilária a maneira como se refere ao estruturalismo
contando como reagiu num simpósio quando um grupo de estudiosos lhe apresentou
uma análise de um de seus contos por este método: “Vejam senhores,
agradeço-lhes muito, mas não percebo qual sua importância.” Na sequência expõe
suas razões ao dispensar tal abordagem afirmando que uma pessoa que lê e
interpreta um texto desta maneira “priva-se de todo gozo estético.”
A ligação de Borges com a literatura é
visceral, mas ele absorve bem as críticas que invariavelmente, mesmo nas
entrevistas, lhe destinam o lugar de grande autor em prosa que perde o
brilho na poesia. Mas defende sua poesia e na entrevista a Roger Caillois
(1977), fala como cada um encontra e assume sua linguagem: “Creio que cada
poeta é essencialmente seu tom. Se pensarmos em Whitman, por exemplo, é a voz
de Whitman. Ou se pensarmos em Verlaine, é a voz de Verlaine. Cada poeta tem
sua voz, sua tom, sua maneira...”
Destaca ainda como as palavras procuram os
poetas e afirma que eles devem evitar parecerem-se consigo mesmos, diz isso
acerca do uso de algumas palavras que deve evitar para que ele mesmo “não se
pareça sempre com Borges.” No seu vocabulário poético destaca como recorrentes
as expressões labirinto, facas e espelhos, diz que deve evitá-las, embora
“quando me distraio, de imediato surge ali um labirinto.”
Há muito a comentar sobre as ideias de Borges
reunidas em Memórias. Alguns temas atraem quase todos os seus
interlocutores que poderiam estender a pauta, mas por obrigação jornalística
quase sempre são obrigados a recortar seu pensamento em cerca de dez perguntas.
As entrevistas foram bem escolhidas pelo organizador do livro e fazem da
coletânea uma sedutora milonga que sintetiza a verve argentina de um autor ligado
à cultura do mundo, que viaja da tradição indiana à literatura contemporânea
que afirma, no entanto, não conhecer bem, porque ficou cego em 1955.
No final do volume II há um roteiro com todas as
fontes pesquisadas por Floriano Martins para fazer a seleção de entrevistas.
Trata-se de uma pesquisa que acrescenta dados à trajetória de Borges de forma
organizada e talvez inédita, sob o ponto de vista de um mapeamento do que há
sobre ele na imprensa latino-americana.
A última entrevista do livro, “Um homem devorado
pela fera”, foi dada a Fabian Restivo em 1985, e trata-se da única que já havia
sido traduzida no Brasil, publicada pela Folha de S. Paulo em 1986, poucos
dias depois da morte do escritor. Nela, Borges afirma dar preferência a
formulações interrogativas, mais diretas, que não obriguem um homem de 86 anos
a fazer longas reflexões. Mas com ele é quase impossível os temas não se
aprofundarem, a simples menção da palavra otimismo já é suficiente para que se
remeta a Voltaire explicando que se deve a ele tal expressão. Nesta última
entrevista, a idade é um tema que se impõe em alguns trechos para lembrar os
cem anos da feminista e socialista Alicia Moreau Justo e justificar que morrer
após esta idade é consolador, segundo Schopenhauer, porque “depois dos cem anos
qualquer um pode morrer de repente”, o que no entanto, não o convence. Ele
comenta que àquela altura não havia ainda chegado à maturidade, mas à
decrepitude mostrando sabedoria ao lidar com paradoxos.
Dias depois da entrevista a Restivo, Borges
desapareceria, saindo de cena acompanhado por María Kodama, possivelmente para
um tratamento de saúde, até morrer em 14 de junho em Genebra. Nos dias que
precederam sua morte nada se sabia acerca de seu destino, dizem que sua
secretaria e companheira ergueu uma muralha ao seu redor. Melhor pensar talvez
que o autor de Ficciones esgueirou-se por um labirinto, como num de seus
poemas: “Não haverá nunca uma porta. Estás dentro/ E o alcácer abarca o
universo/ E não tem nem anverso nem reverso/ Nem externo muro nem secreto
centro./ Não esperes que o rigor de teu caminho/ Que teimosamente se bifurca em
outro,/ Que obstinadamente se bifurca em outro,/Tenha fim. É de ferro teu
destino/ Como teu juiz. Não aguardes a investida/ Do touro que é um homem e
cuja estranha/ Forma plural dá horror à maranha/ De interminável pedra
entretecida./ Não existe. Nada esperes. Nem sequer/ No negro crepúsculo a
fera.” (O Labirinto/ Jorge Luís Borges em Elogio da Sombra, tradução: Carlos
Nejar e Alfredo Jacques).
PEDIDOS A
Pedidos para o território nacional através de e-mail a
informando endereço completo para remessa de exemplar e anexando confirmação de depósito no valor de R$ 70,00 (setenta reais) em favor de
FLORIANO BENEVIDES JÚNIOR • Banco BRADESCO
Agência 3456-8 • Conta corrente 17920-5 • CPF 169.613.313-00
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