segunda-feira, 4 de junho de 2018

TERESA CABAÑAS | A poética de Alumbramentos, de Maria Lúcia Dal Farra



Se as portas da percepção estivessem limpas,
tudo se mostraria ao homem como é, infinito.
Pois o homem encerrou-se em si mesmo,
a ponto de ver tudo pelas estreitas fendas de sua caverna.

William Blake, O matrimônio do céu e do inferno.

Há tão pouca gente que ame as paisagens que não existem.

Fernando Pessoa, Hora absurda.

1. | Um dos efeitos originados pela multifacetada cena cultural contemporânea é, sem dúvida, o estado de constante alerta em que mantém o estudioso de suas manifestações. Nesse quadro recente, e em relação ao âmbito específico da prática literária, não custa constatar a situação diversa em que se encontram as duas figuras chaves que transitam por esse espaço: a do escritor e a do crítico. Enquanto o primeiro labora sem escrúpulos nem pruridos com os sinais do tempo histórico, para moldá-los esteticamente e assim (re)compostos devolvê-los ao mundo como elementos que também o constituem, o crítico literário, por vezes trancado em reticências, nem sempre atenta com eficácia para a decifração dos sentidos postos nas novéis e variadas realizações artísticas que percorrem as décadas finais do século XX e as iniciais do XXI. De modo que, por ocasiões, ele não consegue devolver ao mundo um resultado que ilumine as razões do que aí se encontra modelado em formas estéticas. Isso talvez porque este sujeito se defronta com os rearranjos do âmbito cultural vivendo sua própria crise, essa que em outro momento chamei de o desconcerto do paradigma, um duplo desassossego que implica assistir ao desabamento do aparelho conceitual que lhe dava segurança e ver-se urgido a levantar outro(s) capaz(es) de assimilar criticamente a complexidade de nuances e concretizações de uma ordem cultural que antes bem se acomodava em espaços de mais clara  univocidade e quase consenso.
Mas, passado um tempo, a teimosa insistência de tão variegadas mudanças corroeu resistências e terminou por fazer-nos assimilar os termos da “crise” que marca a entrada da literatura no século XXI, com sua polêmica sobre o fim da representação, o advento de realismos inusitados, a morte e ressurreição do autor, a perda da autonomia ou a reafirmação dela, o atravessamento dos gêneros e o variadíssimo aproveitamento que eles fazem das linguagens e tecnologias de comunicação, aspecto delicadíssimo, pois implica o reconhecimento da ação do mercado globalizado agindo nesses novos usos.
Dentro desse apanhado geral importa aqui ressaltar certos específicos, pois, dentre os gêneros literários estabelecidos no panorama aludido, talvez seja a poesia a que tenha vivido as mudanças do chamado tempo pós-moderno com mais excitação, na tentativa de se re-situar nele, a ponto de provocar alterações radicais no seu corpo físico, de modo a nos aparecer em formas quase irreconhecíveis. Se a notável proposta bakhtiniana sobre a acanonicidade do romance nos preparou para uma lida mais pacífica com os diversos graus das alterações que este poderia apresentar, desde que podem ser encaradas como consubstanciais ao gênero, caso diverso acontece com a poesia se se considera a influência que nela exerce seu antecedente moderno. Formalizado basicamente na ideia da transcendência e da transfiguração, esse capítulo, como se sabe, fez da palavra poética a morada do ser, lugar sacralizado onde o homem poderia se reencontrar consigo mesmo na experiência primigênia; uma palavra capaz, então, de presentificar o indizível e o inaudível. Dessa feita, a tradição moderna nos familiarizou com o poder encantatório desta palavra, que tinha muito de hermético, e nos ensinou a ver nisso o seu profundo desafeto a esse mundo real contra o qual lançava sua distinção de artefato impermeável a qualquer exigência instrumental que a sociedade lhe impusesse.  A poesia lírica reinou soberana nesses tempos e nós aprendemos a amar seus termos modernos como aqueles que definitivamente traçavam sua existência.
Mas, como disse antes, esses traços se alteraram e a poesia entrou de corpo e alma na nova experiência de troca de roupagem, novas vestimentas que não são apenas o seu invólucro externo, mas que ao adotá-las lhe mudam sua íntima fisionomia: poemas performáticos, poesia happening, poesia fônica, holopoesia, poesia fractal, poemas objetos, vídeo poesia, poemas plásticos; uma infinidade de experiências e experimentações que, de saída, arrebentam o caro princípio moderno da perenidade simbolizada no meio habitual da folha de papel e no formato clássico do livro. A poesia pula também para fora do recinto silencioso da leitura solitária, desse seu ensimesmamento e se apresenta em espetáculo aberta a diferentes coletivos, que a usufruem em rápidos instantes irrecuperáveis. Poesia comunitária ou poesia em rede que se posta em franco ânimo democratizador do direito à expressão sensível.
Assim, pois, da quase geral estranheza que no início resultou do encontro com tais propostas, traduzida na aberta rejeição ou na timidez com que a crítica literária às vezes as recepcionou, passamos hoje a uma fase de mais conformada aceitação, que perfila já certa decantação e começa a traçar parâmetros mais confiáveis para avaliar o que no meio a tanta diversidade poderia ir além do direito “natural” que todos teríamos a nos expressar sensivelmente. Momento que também apresenta seus riscos, pois, conquanto originais e bem vindas, estas expressões e suas atualíssimas estratégias de comunicação não poderiam ser erigidas pelo julgamento crítico no único modelo aceitável e significativo, isso porque, se algo resta da montanha de abordagens que se dedica(ra)m a explorar o sentido deste tempo contemporâneo, assim como da observação empírica que qualquer um pode fazer do que nele se instala, é a certeza de que nos movemos num espaço cultural de múltiplas experiências estético-sensíveis. Quer dizer, se nossa contemporaneidade é um território (não pacífico) de diversos, de multiplicidades que agora conseguem espaços culturais para se expressar, não parece oportuno acreditar na imagem de um território capinado, onde mansamente se instala um novo modo sensível que simplesmente haveria deslocado e/ou neutralizado o anterior. Esse o traço que confere a particular riqueza e os densos níveis de complexidade ao nosso tempo, uma nova ordem, mas na qual, gostemos ou não, os parâmetros da modernidade ainda fazem sentido, tendo algo a dizer. Um momento que, por enquanto, parece-me se definir na dupla isto e aquilo e já não mais no isto ou aquilo.
Destarte, o que muito frequentemente se revela na situação aludida é a dificuldade teórica de trabalhar epistemologicamente com a diversidade; de modo que, um dos problemas do crítico hoje seria dar conta não apenas de uma ou outra tendência, no que vai o seu gosto ou inclinação pessoal, mas a necessária captação do sentido dessa diversidade compondo nosso espaço-tempo cultural, independentemente de nela existirem formas com as quais o crítico não tanto se identifica. Acredito que essa seja uma reacomodação teórica do nosso olhar imprescindível à hora de tentar elaborar qualquer conhecimento sobre os conteúdos do espectro estético e cultural do hoje.

2. | É na consideração desse ordenamento que me parece pertinente colocar a pergunta sobre o sentido que pode ter hoje um fazer poético que repõe em ordem uma palavra talhada no diálogo visível com a tradição da poesia moderna, não para estilhaçá-la nem superá-la e sim para ressignificá-la no presente, como é o caso do projeto desenvolvido por Maria Lúcia Dal Farra nos três livros até agora por ela publicados até 2011. Esta poesia sutil e elegante, de intenso colorido sinestésico e de laboriosa arquitetura formal revela uma profunda disparidade com os vários formatos das modalidades acima aludidas, das quais, sem dúvida, destacam o dinamismo e a celeridade – às vezes a fugacidade – próprios do mundo globalizado [1] a contrastar com a vagarosidade que se instala no movimento descrito pelos poemas de Dal Farra.  Isso, evidentemente, já nos instala na captação, na vivência e nos modos de construir o presente; isto é, de materializar uma particular concepção do tempo histórico-social – o que, aliás, é próprio de toda expressão estética. De maneira que esses processos discursivos que comunicam “coisas” (sentimentos, ideias, percepções, sentido lúdico, imagens plásticas, etc.) entreveram em todas elas um sentido (estilo) determinado de viver o tempo e se localizar no espaço, e quando o fazem, não apenas o realizam para si, mas, de alguma maneira, o propõem para os outros.
Muitas das formas radicais que a poesia do agora adota expressam, então, uma condição temporal visivelmente antenada ao presente que vivemos: a velocidade que imprime sua exigência em tudo aquilo que fazemos, e que, por influência das inegáveis benesses que os meios de comunicação trouxeram para todos – lugar onde essa condição melhor se exprime –, terminamos por “naturalizar” num tamanho gesto automático que raramente advertimos que a celeridade do tempo da existência é um acontecimento da ordem cultural das nossas vidas.  Como tal, esse acontecimento é, sem dúvida, a coordenada temporal dominante ou hegemônica hoje, mas não é a única, algo não tão difícil de constatar na realidade empírica. [2] Sendo assim, seria plausível uma indagação sobre o sentido ideológico embutido na maneira de refazer esteticamente o enquadramento temporal, tanto naquelas manifestações que se acolhem ao impulso célere hegemônico como nas que assumem outro tipo de percepção do tempo, basicamente contrária, como resulta manifesto na poesia de Dal Farra.
Entre os escritores, não é rara a existência de certas recorrências, às vezes quase obsessivas, que terminam por demarcar seus elementos temáticos e formais, enfim, seu estilo compositivo, de modo a determinar a natureza da indagação existencial da sua escrita. Nesse sentido, Alumbramentos (2011) retrabalha certos aspectos já embrenhados nos seus dois anteriores, e que, me parece, se descortinam como princípios estruturais, desta vez particularmente adensados como via principal para a exploração das dimensões perceptivas a partir das quais poder alumbrar o fazer poético e o presente. Refiro-me, por um lado, à contemplação e, pelo outro, ao pendor metapoético, que neste e no livro anterior se dilata com os conteúdos paratextuais manifestos nas anotações introdutórias da própria autora, assim como nas epígrafes que introduzem cada seção. Tratarei basicamente do primeiro nestas páginas.
O exercício de atenta observação, [3] que alicerça Livro de Auras (1994) e se reinstala em Livro de Possuídos (2002) como “atenção vertiginosa”, [4] se alarga agora para continuar enfatizando o que já chamei de “atividade indagadora do mundo”, [5] neste caso, uma ação questionadora das diretrizes que, desde a instalação do ordenamento burguês, vêm desdenhando a contemplação e a encurralando no porão do improdutivo e do fútil.  Será pela mão do ato contemplativo que entraremos numa outra dimensão temporal, na qual se reinstala a reflexividade própria do tempo interior a permitir o voo da imaginação à procura de significados. Sirva de amostra, entre outros, este “Reverberação”:

A dama
(essa virgem)
entre enxofre e mercúrio
quer apenas conhecer-se.
Por isso estende o espelho:
para que ela própria se retorne
no olhar que o licorne aprisiona
quando retém de si o espelho.

Olhando-o
ela não se refrata.
Antes
se espelha
e (muda)
se retrata.

O poema, um dos oito que se dedicam a La dame à la licorne, célebre conjunto de seis tapeçarias medievais, parece todo ele a pintura de um processo. Diria que processamento daquilo que entra pelos olhos e se instala nas camadas da razão sensível em busca de sentidos. Sentidos esses que não habitam nenhum lugar, de modo que não se trata aqui de uma busca habitual, porque o sentido deve ser criado – ou nomeado para que exista. Assim, podendo ser o sentido qualquer um, já que seu berço é a imaginação, o processo do poema indica que o encontro com a tapeçaria não finda no olhar, o que tão só seria experiência estética superficial e passageira, ele se prolonga em exploração imagética num convite a sustar a pressa e se deter mais tempo do que o olhar precisa. O que temos, então, é um sujeito observador e reflexivo que divaga, indaga e reajusta o olhar num grau mais potente para avistar além da superfície dada, tudo emoldurado por um presente verbal. Algo similar se reencontra em “O idílio”, um dos poemas do conjunto Klimt:

Na sua nudez tão casta
parece a mãe
a irmã dos meninos:
o mesmo olhar de quem dá
é o de quem recebe delicadeza
candura
espelho há na taça que oferece.

É este o idílio? Ou aquele
que vai de mim em direção
à jovem?
Ou ainda aquele que parte
dos observadores laterais
              assim enciumados?
Um finge
não se importar com a dedicação inequívoca
da amada.
O outro simula igual.
De qualquer forma
ambos emolduram e protegem
a amor maternal

custe o que custar!

A afeição pela descrição – instalada comodamente nos versos da primeira estrofe – articula, na verdade, uma narração que, conquanto apegada à imagem plasmada na tela, pintada pelo artista austríaco em 1884, é, no entanto, pura especulação, pura possibilidade. Vejamos assim esse “parece” que tudo deixa em suspeição. “Mãe” que parece “irmã” quando o certo é que o quadro em observação não afirma nem uma coisa nem outra; dupla especulação imaginativa, então, que se regozija num grande devaneio, já anunciado, por sinal, na epígrafe de Bachelard que abre a seção. Descobre-se a seguir a intencionalidade do eu lírico que, na interrogação que a si próprio dirige, se coloca como único ajuizador do sentido manifesto, trazendo à luz um dos significados possíveis do encontro entre eu e obra artística. O poema é o território que potencializa o primeiro encontro, esse que procede do olhar inicial, de maneira que o que se produz é um diálogo do eu com a obra, esta enquanto quieto motivo inspirador e aquele como entidade ativa, tanto, que eu diria quase em estado de enleio paroxístico não fosse a contenção dada pela ossatura discursiva calculada e exata que caracteriza estes poemas. Esse diálogo reveste-se, pois, de profunda indagação. Indagação que significa, como dito no início, o mergulho no tempo da subjetividade, onde o tic-tac do relógio cessa e o livre arbítrio do indivíduo pondera.
É essa intenção dialogante [6] a que permite bem entender a declaração da autora quando chama seu livro de “simples palimpsestos”. Porque na trilha que viemos percorrendo, a ideia do palimpsesto valida o procedimento aqui visitado, que desde o início também se expande na conversa entretecida com as epígrafes de Jorge de Lima e Jorge Luis Borges, com as quais se abre o livro. Estes “palimpsestos humanados”, assim retomados de Invenção de Orfeu, adensam em Alumbramentos a vontade de tecer – construir – a trama de uma comunidade vital à qual o leitor é convidado a se integrar, para ele próprio restabelecer, quem sabe, o calmo diálogo extraviado na balbúrdia e no excessivo egotismo da vida contemporânea, enquanto assiste a um exercício de sensibilidade que excita seus sentidos  – na contundência sinestésica das suas imagens – e o estimula a nutrir sua própria e singular vivência perceptiva  – lembro aqui apenas um exemplo entre outros, “Ao leitor, meu canibal inquieto”.
Parece-me assim que é esse o aspecto que agora se enfatiza no livro de Dal Farra: uma insistência na partilha do/com o outro (um “compêndio de partilhas”), seja ele comunidade de vozes poéticas ou de objetos estéticos – da poesia de Anne Sexton à de Lorca e Rilke, das cartas de Maria Alcoforado ao conjunto de tapeçarias de La dame à la licorne, das telas de Van Gogh às de Klimt, Dali  e Ernst –, ou as mais humildes formas postas no mundo, seja a coletividade de potenciais leitores que, aceitando o desafio de uma poesia morosa, se obriguem a alterar os ponteiros do relógio para o compasso do tempo interior. Por isso, esta poesia não é acomodatícia. Se por um lado, há nos poemas de Alumbramentos uma como teimosa “usurpação” criativa, porque se valendo do que está registrado no mundo o usa e o reinventa, a maneira de estabelecer a já aludida interlocução com seus referentes formaliza um procedimento que supera os limites da simples referência intertextual para compor, como a própria autora manifesta na apresentação do livro, um tecido de “camadas superpostas”, um território de “acasalamento de uma escrita com outra”. Isso, que pode ser constatado nos poemas, gera uma séria exigência para o leitor, que mais haverá de usufruí-los na medida em que conheça tais camadas em superposição, aquilo que poderia se chamar de motivos referenciais.
A experiência de leitura se dilata, então, quando o leitor incorpora, por exemplo, a observação da pintura aludida ou se interessa por conhecer o poeta sugerido. Mas, outro sentido deriva também do procedimento aqui observado e ele tem a ver com esse aspecto que interessa destrinçar nestas páginas: a concepção do tempo que aqui se instaura; porque em Alumbramentos se arquiteta um mosaico de épocas intercomunicantes, com um eu lírico que as atravessa sem pretender outra coisa do que as irmanar.  Isto pode insinuar o truncamento da sequencialidade linear e progressiva própria da visão temporal moderna, o que traz a interessante questão de uma possível recusa do princípio estético desenvolvido pela modernidade e a partir do qual se tratava de superar o passado para assim se projetar no futuro através do anúncio do novo. Retomarei o assunto adiante.
Fora o colocado, esta expansão de sentido se apoia em outros momentos na marcada presença das epígrafes, que não se exibem como simples detalhe de erudição, já que por elas se assentam as referências a uma específica concepção não só do trabalho criador como de relação com o mundo. Como, por exemplo, a que inicia a seção Van Gogh e que reforça a ideia da descoberta do mundo pelo que se vê, ou a de Rilke advertindo o terrível desassossego que advêm do encontro com o poético, ou ainda o poema Palimpsestos de Lorca abrindo a seção a ele dedicada. De modo que a pretensão declarativa do eu lírico que tudo pode – “e com a caneta/altero o vocábulo/soberana” –, seria apenas palavra que ruiria se não estivesse aconchegada na sólida arquitetura formal que sustenta o livro todo e que é a que verdadeiramente expressa e realiza a vontade.
No seu conjunto, esse trabalho construtivo, de minuciosa montagem do livro, parece-me uma forma de fazer presente. E este se realiza de um jeito bastante curioso, aliás, pois também se vale muito de propósito do anacronismo, como se introduz pela segunda epígrafe de abertura do livro, que é de Borges (“Refleti que é lícito ver no Quixote “final” uma espécie de palimpsesto (...): a técnica do anacronismo deliberado e das atribuições errôneas”. Reparando na condição de esquecimento que se apodera do mundo para auspiciar a reincidência da humanidade em graves erros do passado, o anacronismo não é sempre velharia saudosista irrelevante, como pode parecer a alguns, [7] mas ainda um desalinhamento proposital do presente, que por contraste lhe mostra as falhas e insuficiências, lhe lembra a memória esquecida.
Destarte, a sensação criada pelo ritmo cadenciado e vagaroso que a contemplação e a reflexão sensíveis formalizam nestes poemas, como pura expressão da vivência interior, pode parecer, no seu anacronismo, um apagamento das urgências do tempo exterior. E num certo sentido poderia ser isso verdadeiro, pois se essa efetiva condição de esquecimento abocanha também o cultivo da vida interior, boa parte desta neutralizada agora na voragem da exposição visceral que, como hábito coletivo, percorre o planeta nos instantâneos das redes globais, uma ação concentrada na sua reativação pode requerer a suspensão de certos aspectos que marcam a tônica usual do viver contemporâneo.
Reintroduzir a vivência interior num tal contexto vai tropeçar, sem dúvida, com as mudanças cruciais trazidas pela globalização para as condições espaço-temporais do viver; ou seja, haverá de se encarar a nova maneira da existência social se definir nesses termos. Se nova, não necessariamente melhor se considerarmos as diversas e inéditas psicopatologias alimentadas pela sociedade do presente, onde o “a longo prazo” deixou de existir e a aceleração da atividade humana grassa soberana, impondo o imediatismo passageiro que esvazia o sujeito dos seus porquês, gerando nele ansiedade e tédio. Todos sabemos da maneira como a tradição da cultura moderna lidou com os primeiros indícios de tal situação, desenvolvendo-se na ordem do desejo utópico e com isso não estimando, muitas vezes, o valor do presente como o único tempo realmente vivível. Contudo, os princípios da arte moderna, na sua contradição com o mundo, nos legaram o anseio da perfeição, não só para a criação de formas estéticas, como principalmente para a correção da vida, para que esta se fizesse mais justa e plena. Por isso, a importância aí de uma ação que ampliasse os limites da vivência interior, lugar do conhecimento sensível, da assimilação prático-espiritual do mundo, sem a qual a arte, nas condições de sua existência moderna, se torna impossível.
Nesse sentido, os poemas de Alumbramentos compõem um território onde se mostra a convivência de diferentes referências estéticas, que são também diversos espaços e marcações temporais, estas últimas remissões a passados artísticos diferentes, o que daria o tom da recordação e do propósito dialogante de que falava acima. [8] No entanto, a maneira como tal recorte espaço-temporal vem à tona formaliza uma intervenção particular no que está dado – a tradição –, à qual chamei de apropriação pela imaginação especulativa, e que, como é visível, ultrapassa todas as barreiras de tempo e espaço, de estilos e gêneros artísticos. Esta mesma apropriação configura, justamente, o momento da instauração (construção) do presente, esse que conhecemos com as características da atualidade. Daí que seja também uma intervenção nesse tempo. A partir desse momento, pode-se vislumbrar o objetivo deste projeto poético: a reconstrução intransigente e minuciosa de um espaço humano que foi menoscabado, agredido e banido do entorno do sujeito pelo regimento do tempo histórico no qual tal projeto se levanta. Se o aludido espaço é esse da concentração observadora, contemplativa e reflexiva, pelo qual todo sujeito social deveria lutar, a coerência que justifica Alumbramentos como produto estético se manifesta naqueles ditos elementos de ordem estrutural que são o palimpsesto e o anacronismo, promotores, em parte, do andamento temporal vagaroso e do seu par, o espaço contemplativo e dialogante.
Assim, o andar empacado desta poesia encerra uma imago mundi que transgride e inverte a lógica da percepção temporal do viver atual, em que a sensação de liberdade espacial que temos, em muito alimentada pela facilidade de trânsito por diversos e inesgotáveis espaços virtuais, penhora a largueza do tempo de que dispomos. Reparando na grande maioria dos poemas de viés mais aparentemente descritivo, que se remontam a Livro de Auras e Livro de Possuídos, e que são, como dito no início, os que me parecem de maior voo especulativo, a sensação que produzem é essa da lentidão, uma filigrana de detalhes engastados uns nos outros, alargados pela imaginação que os dota de conteúdos incomuns, que nos encerra na superfície que o poema é, convidando (obrigando?) a recorrê-la e explorá-la, no que vai também a demora de um tempo estendido. Eis este Penteando uma cabeça grega:

A atenção do rosto grego
está toda nos cabelos –
a porção mais inquieta do mármore.
Daí que a ausência do urgente instrumento
para subjugá-los
embarace o enigma mais à mão:
o pente
(uso das parcas)
tece ou doma os fios?

Indiferente à pergunta,
a peruca
(coroa de fina trança e franja)
desce distraída pelos cantos da nuca
como rios que
(de repente)
se encapelassem na barba –
barca que traz impressa na carcaça
as ondas do mar Egeu.

À tona
o golfo fundo dos olhos ocos
mostra cavidade bastante para desvendar
o curso dos anos e oceanos.
Mas ainda assim
(patética)
a máscara boia entre tragédia e riso
e o ricto da boca
(imperceptível)
se afunda ornado de medusas –
que asseguram em coro:

devora-me ou decifro-te!

Inerte objeto de mármore, esta cabeça grega exemplifica o procedimento a que me refiro. Do rosto, o olhar fixa o cabelo; desdobrado em detalhe de artifício duplo – cabelo esculpido e também peruca– “de repente” dá lugar à barba que, em seu encrespamento, dá passagem à evocação do mar Egeu e assim, sossegadamente, a paisagística marinha invade o poema e logo, por “mérito do parentesco”, [9] as medusas surgem para, transmigradas em função de esfinge, alterar o enigma. Note-se como, a reparar no título, tudo decorre da ação aplicada à cabeça –”penteando”– que a refaz em outra. Mas o pentear é todo ele uma ação de transmutação pela palavra, o que repõe aqui uma das recorrências identificáveis em Dal Farra. No conto “O penteado”, do seu Inquilina do intervalo (2005), a personagem que narra percebe como a realidade pode ser penteada com palavras e assim “fabricar o mundo”. Os desdobramentos da imaginação lúdica ganham o corpo material das estruturas discursivas, e assim podem brincar com a tradição e modificá-la; mas, sobretudo, a ação discursiva aparece como o espaço da livre associação e das partilhas transhumanas, onde se realiza aquela aludida ultrapassagem das fronteiras espaço-temporais, que revela a potência liberadora da palavra estética, talvez a sua função precípua. Contudo, não se pode esquecer que há uma ação antecipando essa palavra, a qual se realiza no ato de olhar, ou melhor, no vagar do olhar.
Sendo esse último um traço evidente não só nestes poemas como naqueles dos dois livros anteriores, ele convoca a procurar uma definição que fixe os possíveis contornos do seu sentido. Em princípio, me ocorreu que Alumbramentos formalizaria definitivamente uma didática do olhar, uma ação que atinge a experiência de leitura, pois conduziria o leitor a uma reeducação da mirada na medida em que, através do olhar, lhe mostra o que permanece em estado de inexistência apenas pela afobação dos seus sentidos. [10] Porém, na conjuntura do tempo da globalização uniformizada, na qual nos vemos compelidos a consentir, sem muito sobressalto, as exigências que em matéria de gosto, percepção e sensibilidade ele impõe, não se trata mais de educar a mirada, mas de restabelecer a capacidade de olhar, não é mais ensinar a ver os imponderáveis ocultos, mas restaurar a capacidade de perceber. [11] Nas atuais condições, romper os condicionamentos exige um afanoso estado de contínuo alerta, que hoje se apresenta bastante mais árduo e complexo do que aquela experiência de choque, inicialmente proposta por Benjamin quando ainda se cogitava que as perdas que ela implicava poderiam ser também um estímulo para a reflexão crítica do sujeito. Vemos hoje que as margens dessa possibilidade se estreitaram e que, talvez por isso, a arte precisou se diversificar entre gostos e cores e fazer circular pelas vias mais inusitadas seu gesto de inconformidade.
No caso da poesia de Dal Farra, a mencionada intervenção na experiência de leitura consegue nos guiar pelas relações inesperadas e aparentemente improváveis, por isso mágicas, que as coisas do mundo são capazes de estabelecer entre si quando ditas no espaço-tempo da palavra poética; no caso de que se trata, tentativa de dizer o impossível, de capturar o arredio, consumada na apreensão do que o objeto não é (“Do lado de lá de teu rosto/irrompe/um pássaro branco/cantando com as duas asas”. Bem olhado, o proceder não é complacente com o leitor, porque exige dele um esforço intelectivo a partir do qual reinstale seus canais de percepção sensível e os alargue para dimensões que não são as habituais da sua rotina. Por isso constitui-se, também, numa ação desautomatizadora dos sentidos. E se aqui se evidencia apenas um dos escopos fundamentais e sabidos da poesia moderna é porque Maria Lucia se localiza assumidamente nela.

3. | Assim, Alumbramentos, como os outros livros de Dal Farra, situa-se, nestes tempos de conturbações pós-modernas, no âmago de uma contemporaneidade para a qual olha com mirar moderno, não porque se trate de repor aí as condições que fizeram possível o surgimento da poesia moderna, numa espécie de sentimento saudosista e retrógrado, mas porque detecta nessa tradição princípios ativos que, mais do que nunca, poderiam encarar, neste hoje estraçalhado, uma função humanizadora: tempo para a contemplação, o sonho e o devaneio, para a recolocação de parte do que a existência espiritual perdeu. O que pode ser estimado como uma transgressão da normativa do viver contemporâneo. Esse lugar de pertença explica neste projeto poético sua formalização característica e os valores estético-ideológicos que assim se expressam numa imago mundi. Alguns desses conteúdos a autora insiste em explicitar ao leitor por outras vias, como, por exemplo, na anotação introdutória de Alumbramentos, quando garante que não há no seu livro novidade alguma, “pasto” que é “de parceiros de muitas idades”, “variegadas e variadas linhagens e linguagens de que se compõe”.
A recusa à novidade, da maneira como aqui se propõe, levanta um aspecto notável para o que se discute, e aqui retomo o que deixei em aberto páginas acima, quando falava do possível truncamento da sequencialidade temporal linear e progressiva própria da modernidade.  Se a sociedade burguesa instituiu o novo como um valor dos mais estimados, a ponto de convertê-lo em preceito da vida humana, o que pensar da sua negação?  Se a análise do anacronismo e do palimpsesto permite agora dizer que tais recursos formalizam esteticamente tal rejeição em Alumbramentos, seu sentido parece mostrar algo paradoxal: manter-se atual dentro do mundo negando um princípio de atualidade: o novo. O paradoxo resulta violação de um princípio vital para a sociedade de consumo, que não só direciona o mercado como a sensibilidade do sujeito, e origina no caso da poesia de Dal Farra outra condição bastante curiosa, que convoca, de novo, a ideia do palimpsesto. A maneira como a autora refere e se apropria desta técnica –“emaranhado espesso de todos os imperscrutáveis resíduos e demãos que os foram engendrando e abarrotando ao longo dos tempos” – lembraria um modo tremendamente contemporâneo de produzir arte e que no início das discussões conceituais sobre o pós-modernismo foi bastante questionado por críticos importantes que o consideraram a maneira mais crassa de exaurir a arte de toda profundidade: surgiria daí uma paródia esvaziada e passaria a imperar o simulacro pela prática do pastiche.
Mesmo que hoje esta ideia inicial tenha se modificado ou problematizado bastante, a ponto de se perceber que esses modos “pós” não eram lá tão planos, o que quero expressar não é a adscrição desta poesia a tal estratégia de escritura e sim chamar a atenção para um contexto histórico que impõe para o escritor níveis de dificuldade extremos na hora da captação do presente, daí que esse escritor seja exigido na sua capacidade inventiva a criar alternativas.  Quando a autora, na apresentação de Alumbramentos, chama sua obra um “brechó de almas” para aludir à “heterofagia” que aí pratica – e à qual me referi como aquela confluência de espaços-tempos intercomunicantes, sem outro objetivo do que estabelecer o contato desses diferentes passados –, só reforça na ossatura do livro essa recusa pela novidade que passa a se materializar numa malha de passados a constituir, justamente, o espaço presente da memória.  A memória aí é a corporificação do passado que ainda poderia agir no presente. Clara percepção do tempo atual, onde o novo não é mais do que uma fôrma esvaziada que dissipa a memória do que fomos, do que sonhamos, daquilo por que lutamos. Por isso, talvez, valha a pena conservar certas presenças do passado porque elas podem ser armas eficazes contra a absurda instrumentalização da vida contemporânea e formas de alumbrar o presente. Daí que, num tempo histórico que se mostra capaz de violentar seus próprios sonhos, o anacronismo não seja uma miragem retrógrada.
 Em Alumbramentos se assiste, pois, à reposição de alguns dos princípios chaves da modernidade poética, que são trazidos para a atualidade através do anacronismo e do palimpsesto, numa tentativa de nos fazer memoriosos do que nos falta: o devaneio, o sonho, a contemplação, que não são outra coisa senão o tempo-espaço único da exercitação do olhar sobre nós mesmos e sobre os outros.  Contudo, isso não repõe nesta poesia o alento esperançoso das obras da alta modernidade, nem mesmo a referida aos nossos exemplos nacionais. Porque a recordação da que falei ao longo deste ensaio não tem mais a natureza temática presente em parte do Livro de Auras, o primeiro da poetisa, onde alguns poemas revivem cenas do passado familiar ou afetivo do eu lírico com uma certa dose de nostálgica saudade; esta de agora se ativa pela lembrança desse espaço-tempo da contemplação subtraído ao sujeito, e que no livro assoma na convocatória de vozes poéticas e práticas artísticas do passado, funcionando como parte da montagem estrutural do livro e emoldurando o que talvez seja o verdadeiro motivo dele, driblando assim o pendor saudosista. Ajuntando-se a isso, a insistência destes poemas se executarem quase que exclusivamente no presente verbal intensifica o agora da experiência, mas por isso mesmo a exaure no próprio instante da sua efetivação. Daí brota apenas uma sensação de difícil precisão que parece advertir a impossibilidade da utopia. Um vislumbre disso fica explicitado no evidente desassossego de Retrato, poema do primeiro livro:

De que me vale a herança do saber
se atrelá-la devo ao meu viver
e se o que escrevo é pó, ungüento e em nada
mudo aquela que em si já era farta?

Assim sendo, o ânimo humanizador deste projeto se apoia na opção de intervir na atualidade sem sucumbir ao enganoso atrativo da novidade, o que faz com que o gesto torne-se então de uma atualidade questionadora.  Por outro lado, também, a insinuação de um presente sem utopia confere ao projeto a lucidez necessária para continuar agindo no mundo mesmo de maneira paradoxal, o que no mais é gesto que assinala a contradição de um tempo sem aprazíveis.
Desta arte, no desvelamento das iniquidades do hoje toda revolta tem uma função, toda insubordinação deve ser acolhida, seja ela contra os massacres de inocentes em bombardeios indiscriminados, o destrato de centenas de milhares de imigrantes africanos, a exploração de milhares de trabalhadores asiáticos pela indústria das confecções, o desvio do dinheiro público financiando o negócio do futebol, a destruição de ecossistemas. Contudo, considerando que o mundo é uma totalidade – e não uma unidade –, suas urgências inquestionáveis não deveriam fazer-nos esquecer que lutar contra as maneiras que mineralizam a sensibilidade humana e a convertem num registro passivo do que está no mundo deveria caminhar pari passu com tais demandas. Nossa existência contemporânea atravessa mil e um espaços, e nessa multifacetada cena cultural a ação humana pode escolher a buliçosa praça pública para se expressar, como também a sossegada página em branco onde ensaiar o árduo exercício da contemplação e da reflexão sobre si e sobre o mundo, um direito cada vez mais surrupiado da experiência sensível do homem comum. Como estudiosos da atualidade cultural em que vivemos, temos uma séria incumbência, o esforço de entendimento das diversas maneiras de reclamar do mundo.

NOTAS
1. Sumariamente, me refiro ao último processo de integração econômica, política e sociocultural que, segundo diversos estudiosos, teria no avanço tecnológico das telecomunicações e da informática seu carro propulsor. Desse processo, interessará destacar aqui as alterações das noções de tempo e espaço e seu efeito na sensibilidade e na percepção humanas.
2. Refiro-me à simples experiência de mudar de espaço (do âmbito urbano para o rural ou interiorano, por exemplo) para atestar o que Anderson denomina de “cruzamento de temporalidades”. ANDERSON (1986).
3. CABAÑAS (2005).
4. A expressão pertence a um poema de Herberto Helder posto como epígrafe (DAL FARRA, 2002, p.47).
5. CABAÑAS (2005).
6. O aspecto é também notado por AMARAL (2014).
7. Em comentário destruidor, publicado a propósito do Prêmio Jabuti concedido a Alumbramentos, um crítico afoito interpreta alguns dos traços aqui analisados como sendo pura “irrelevância alienada”. A nota em questão vale a pena como ilustração de uma impressão que não supera o gosto pessoal (o que não é discutível) e não consegue articular argumentos sólidos que sustentem o ponto de vista emitido (o que sim é discutível), de modo que a nota termina sendo de nenhuma utilidade para a compreensão do complexo tramado cultural que hoje se esparrama frente aos nossos olhos. DOLHNIKOF (2012).
8. A escolha é, certamente, um posicionamento perante o mundo. Numa entrevista dada à Revista Agulha (2012), a poetisa expressa: “a experiência de estraçalhamento me mostrou que talvez fosse mais seguro (pelo menos para ter chão aonde pisar) conversar mais cerradamente com os meus pares: os poetas mortos”.
9. Verso do poema “Canto” (DAL FARRA, 1994, p.24).
10. Assim o disse na pequena apresentação de uma seleção dos seus poemas em: CABAÑAS, Teresa. “Maria Lúcia Dal Farra: Muestra de poesía brasileña”. Hojas Universitarias, [S.l.], n. 70-71. Bogotá: sep. 2015, pp. 109-116.
11. Esta homogeneização que vivemos hoje se apresenta bastante mais complexa, pois ela aceita, no que poderia parecer um paradoxo, as particularidades de cada grupo social, étnico, sexual, etário, etc.


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TERESA CABAÑAS. Professora-Doutora-Associada em Teoria Literária da Universidade Federal de Santa Maria (Rio Grande do Sul), é autora do livro A poética da inversão (UFG. 2000), sobre poesia concreta, e de Que poesia é essa? Poesia marginal: sujeitos instáveis, estética desajustada. (UFG. 2009). Tem artigos publicados em revistas nacionais e estrangeiras, entre eles: As estratégias discursivas e o sujeito poético feminino; A razão construtiva e o rendilhado poético de Maria Lúcia Dal Farra; Da representação à representatividade: quem legitima?; A razão prática da teoria. Este ensaio foi publicado, originariamente, em Ipotesi n. 02, vol. 18. Juiz de Fora, julho/dezembro de 2014.

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Agulha Revista de Cultura
Número 114 | Junho de 2018
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